Envolvido com o contraventor Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) não negligenciou suas relações com a cúpula do Poder Judiciário, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal (STF), onde possui foro e será julgado criminalmente. Depois de ver o então presidente do STF, Cezar Peluso, constrangido a demitir a assessora Márcia Maria Rosado de um cargo de confiança no tribunal, o senador a contratou para outro cargo comissionado no Senado.
Peluso havia nomeado Márcia Maria Rosado e o marido dela - José Fernando Nunes Martinez - para postos de confiança logo depois de assumir a presidência do Supremo. A contratação de ambos, que não tinham vínculo com o STF, desrespeitaria a súmula aprovada pelo próprio STF, que vedou a prática do nepotismo. Por isso, Peluso foi obrigado a exonerá-la em julho de 2010.
Meses depois, Maria Rosado foi nomeada assistente parlamentar com lotação no gabinete de Demóstenes. Quando eleito líder do DEM na Casa, o senador levou Maria Rosado para a liderança da legenda, onde ela permanece mesmo após a renúncia do senador à liderança.
Peluso afirmou que ele não pediu a Demóstenes que contratasse Maria Rosado. 'Como também não sabia que ela tinha ido pra lá', afirmou o ministro.
Por meio da assessoria do DEM, Maria Rosado afirmou que no passado levou seu currículo para ser avaliado e Demóstenes teria decidido contratá-la por causa de sua experiência profissional. Ela negou qualquer relação entre sua saída do STF e a nomeação no Senado.
Contatos. Com esse tipo de ação e por ter sido presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Demóstenes montou uma rede de contatos no Judiciário. Nas gravações feitas pela Polícia Federal, o senador ressalta que é importante para ele e Cachoeira manter relações próximas com integrantes dos tribunais superiores.
Demóstenes tentaria usar esses contatos a favor dos interesses do esquema. Na época das gravações, comentou um ministro do tribunal, não era possível imaginar que Demóstenes usaria a porta aberta com integrantes da Corte para auxiliar a atuação de Cachoeira.
A defesa do senador informou, em nota ao Estado, que recebeu o currículo de Maria Rosado, 'dentre tantos outros diariamente recebidos em seu gabinete, tendo este se destacado pela qualidade'. Afirma ainda que o parlamentar 'jamais empregou alguém a pedido de qualquer Ministro' e que ela 'correspondeu plenamente às expectativas'.
O senador Humberto Costa (PT-PE) pediu ontem a abertura de processo por quebra de decoro contra o colega Demóstenes Torres (ex-DEM, atualmente sem partido). A tendência é que o Conselho de Ética aceite, na semana que vem, o pedido do relator e leve adiante o procedimento disciplinar.
Será o primeiro passo para a cassação do mandato de Demóstenes, apontado pela operação Monte Carlo, da Polícia Federal, como um dos integrantes da organização do contraventor Carlos Augusto Ramos, conhecido por Carlinhos Cachoeira.
A votação do relatório de Humberto Costa com o pedido de abertura de processo está marcada para a próxima terça-feira. Se a vontade dele for seguida, será o primeiro processo aberto contra um senador desde 2007, quando Demóstenes ainda se posicionava como um dos principais defensores da ética na Casa.
Em um parecer de 63 páginas, o relator argumentou que Demóstenes 'faltou com a verdade', o que configura quebra de decoro, ao afirmar que foi contra a legalização dos jogos de azar no País e só mantinha 'relações sociais' com Cachoeira, em discurso feito em 6 março último, no plenário do Senado. Na ocasião, Demóstenes subiu à tribuna para explicar o recebimento de presentes de casamento de Carlinhos Cachoeira.
Com base em discursos feitos por Demóstenes ao longo dos últimos nove anos, quando tomou posse em seu primeiro mandato de Senado, o relator citou a votação de Medida Provisória número 168, que proibia o jogo de bingo e caça níqueis no País, mas acabou derrubada no Senado.
Demóstenes Torres foi um dos senadores que votaram contra a MP, em maio de 2004. Em seu relatório, Costa lembrou que Demóstenes não pôs em votação projeto que criminalizava os jogos de azar, entre 2009 e 2010, quando foi presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Quando o projeto foi votado, Demóstenes faltou.
Nas alegações finais em que pede abertura de processo disciplinar, o relator afirmou ainda que Demóstenes teria conhecimento das atividades ilícitas de Cachoeira. Costa argumentou que, como ex-procurador de Justiça e ex-secretário de segurança de Goiás, Demóstenes não tinha como desconhecer as atividades de 'contravenção' de Cachoeira alardeadas durante a CPI dos Bingos do Senado, em 2006.
Para pedir a abertura do processo, Costa acusou Demóstenes de ter recebido 'vantagem indevida' ao aceitar um aparelho de rádio-celular Nextel do contraventor. Este foi um dos aparelhos de telefone grampeados pela Polícia Federal, a partir do qual foram detectadas quase 300 conversas entre Cachoeira e Demóstenes.
Dizendo-se surpreendido com o teor do relatório, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro tentou ganhar tempo e pediu novo prazo de defesa. O pedido foi negado pelo presidente do Conselho de Ética, senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). 'Fui surpreendido com um relatório em que 80% dele não consta da representação feita pela PSOL. Esse relatório traz coisas que eu desconhecia.'
O ESTADÃO